Gosto de estações de comboio de autocarros e  de aeroportos. Vou sempre com tempo para poder observar quem está, arrumar  a mala ou comprar uma garrafa de água. Não gosto que o autocarro ou o comboio me digam adeus. Manias minhas a que não é alheio o facto de ter "perdido" - numa outra vida - um voo, estava apaixonada e perdoei, sem rancor, nem maus pensamentos, a mim própria, tão grande descuido e perda de dinheiro. Dizia que gosto de estações, à minha volta há gente de origens diversas e linguajares que desconheço, saíram de uma cena de um filme de ficção científica:  rostos de pouco viço, as  roupas  uniformes, calças de ganga made in China, camisas made in China, ténis, dizem que estão na moda, também vindos de um qualquer mundo distante, a bom preço. Na estação de autocarros onde estou não há calças de corte irrepreensível, malas chiques, nem me parece que os homens tenham Maria depois do primeiro nome próprio, nos aeroportos, também, já não abundam - os low cost democratizaram o verso de Pessoa. As caras dos meus companheiros de viagem revelam cansaço, desespero, alguns parecem zangados com a vida e amaldiçoam o dia em que nasceram. Há ainda os que treinam para ser feios, diferente de ter nascido feio, insistem em seguir a moda, não resistem ao corte Primark ou Berska. Nada contra. (quem sou eu?) Ainda assim, identifico numas mochilas suportadas por ténis Allstar (será que é assim que se escreve?) com uns sorrisos rasgados, cabelos desalinhados, traços de esperança. Estão em grupo, em pares ou sozinhos. Desejo-lhes boa viagem com um sorriso idiota. Às vezes retribuem, e eu acredito. Dentro do autocarro, salvam-me um livro e estas notas. Tenho pensado que seria mais divertido as conversas ao telemóvel, em alta voz - não ouvimos metade das deixas. Como estará o Pedrinho depois de ter tomado o brufen? A Vanessa gostou do filme? Como fica a casa depois de pronta? Que jantar terá feito a Dona Alice? É muita gente para dar de comer. E, graças a Deus, o Zezinho lá vai a uma entrevista de emprego. Já o Marco ter acabado com a Rita não dá sossego a ninguém.

Dizia que gosto de estações. Sentada num autocarro, a estação ficou para trás Além de as  habituais personagens saídas de um filme de ficção científica e um homem muito alto - altíssimo - e louro, não tive tempo para descobrir uma boa história.

Cenas minhas.