top of page

Camões

Mitologia n' Os Lusíadas

Uma visita ao Palácio Nacional da Ajuda

20240321_105831.jpg
20240321_111926.jpg
IMG-20240321-WA0044.jpg
20240321_114743.jpg

Na última semana de aulas do 2.° período, os alunos das turmas A e E do nono ano da Escola Secundária do Restelo embarcaram na descoberta de um espaço singular, o Palácio Nacional da Ajuda. Organizada pelo nosso anfitrião, o professor André Ferreira, e no âmbito da disciplina de Português, a visita teve como foco a exploração da mitologia presente em Os Lusíadas, a obra épica de Luís de Camões.

Sob a orientação do dedicado professor, os alunos mergulharam no universo épico criado por Camões, explorando os mitos e as figuras mitológicas que povoam as páginas de uma obra ímpar da literatura portuguesa. O Palácio Nacional da Ajuda serviu como cenário perfeito para essa imersão na cultura clássica e na História de Portugal, oferecendo um ambiente enriquecedor e inspirador para os jovens estudantes.

Durante a visita, os alunos tiveram a oportunidade de contemplar obras de arte que retratam as lendas e os mitos que inspiraram Camões, além de explorar os salões e os corredores majestosos do palácio, que respiram história e tradição. Sob a orientação do

20240321_110111.jpg
20240321_120311.jpg

Professor André Ferreira, cada detalhe tornou-se ponto de partida para uma reflexão sobre alguns temas abordados n’ Os Lusíadas. O orador clarificou a origem dos nomes das divindades, o propósito do Poeta e aludiu a vários episódios da obra, tais como o Consílio dos Deuses e a Tempestade, por exemplo. Os deuses Júpiter, Vénus, Baco e Marte, entre muitos outros, acompanharam-nos por entre os corredores deste palácio secular.

O interesse dos alunos foi visível ao longo de toda a visita, intrigados com as lendas e mitos que o Professor André lhes "cantou" de forma particularmente absorvente, alimentando-lhes o imaginário moldado por deuses e heróis.

No final da visita, os alunos agradeceram ao professor André Ferreira a oportunidade de participar numa visita tão enriquecedora.

A visita ao Palácio Nacional da Ajuda foi muito mais do que uma simples excursão escolar, foi uma descoberta que ampliou os horizontes dos alunos e os conectou de forma mais profunda com a herança cultural portuguesa.

20240321_113109.jpg
VideoCapture_20240321-143759.jpg

Por Lisboa, nos passos de Camões

 

Por Lisboa3.png

A Escola Secundária do Restelo, ainda em 2023, quis iniciar as comemorações do quinto centenário do nascimento de Luís de Camões e fê-lo com uma visita de estudo Por Lisboa, nos passos de Camões, no âmbito da disciplina de Português. Acompanhados pelas professoras Carmo Capela, Patrícia Avões e Cristina Lopes, os alunos revisitaram a obra estudada em aula, Os LusíadasPelas ruas, junto ao rio Tejo ou frente aos emblemáticos monumentos da cidade, leram-se estâncias da epopeia camoniana.

Com saída da escola, pelas 8:30, o percurso foi extenso, mas repleto de História e estórias: a Praça D. José I e o Cais das Colunas deram as boas vindas ao grupo; a Igreja da Conceição Velha, que esconde a imagem de Nossa Senhora de Belém; o túnel da Cadeia do Tronco, onde esteve encarcerado o poeta e que mereceu uma das melhores fotos de grupo; a subida pelo elevador da Glória (a pé para os mais arrojados) até ao Miradouro de S. Pedro de Alcântara, onde se recuperaram forças com um almoço de fronte ao Castelo de S. Jorge; a visita imperdível à opulenta Igreja de S. Roque; a Praça Luís de Camões e o Miradouro de Santa Catarina, lugar propício para um jogo sobre a cidade e obra do poeta na presença do Gigante Adamastor; a descida pelo elevador da Bica, por entre as ruas adornadas para os santos populares; o regresso de elétrico até à Torre de Belém, ao Padrão dos Descobrimentos e ao Mosteiro dos Jerónimos, onde nos esperava uma lição de História dada pelo professor José Fernandes.

Chegámos ao final da visita, ao final do 3.º ciclo também. Connosco ficaram aprendizagens, sorrisos e boas memórias.

Nem me falta na vida honesto estudo,

Com longa experiência misturado,

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Cousas que juntas se acham raramente.

                                            in Os Lusíadas, C.X, est.154

image.png
image.png

O(s) Amor(es) na épica de Camões
Maria do Carmo Capela

Aos meus alunos iniciantes no Amor e n’ Os Lusíadas.

Este artigo procura, despretensiosamente, compreender as forças do Amor, utilizando como referência de análise algumas passagens da obra Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, que asseguram a vitória do Amor, nas suas diferentes dimensões, sobre os obstáculos representados ao longo da narrativa da viagem quinhentista.

As epopeias do mundo ocidental são, na sua origem, narrativas guerreiras, que enaltecem um povo conquistador. Também Homero, Virgílio ou Ariosto evocaram os relatos dos deuses e heróis, narrativas que Camões veio a considerar “fábulas vãs tão bem sonhadas”. Em Os Lusíadas, ao contrário, o propósito é cantar os nautas assinalados, os reis e todos aqueles que se imortalizaram pelos seus feitos grandiosos, acontecimentos, esses, bem reais. Se, por um lado, encontramos os factos históricos fidedignos enaltecidos, encontramos, também, um componente comum em todos os episódios: o Amor, nas suas variadas dimensões.

Convém ainda distinguir entre o Amor lírico e o Amor épico. O Amor expresso na lírica camoniana corresponde ao amor cortês, na entrega e lealdade daquele que ama em relação ao ser amado. A figura feminina, ligada ao pathos amoroso, é ponto de partida e de chegada de todo o discurso poético. Na narrativa épica, o amor ocorre, também, no plano da paixão, sendo o responsável por todos os males terrenos e, simultaneamente, o antídoto às dores da alma, já num plano transcendente. A união entre o humano e o divino permitirá ao herói alcançar a glória eterna.

O conceito amoroso n’ Os Lusíadas tanto é afetuoso e protetor como castigador e cruel. Estes elementos imperam através de diferentes figuras femininas e de narrativas diversas: a frágil dama que se sacrifica por Amor; a mulher-mãe-noiva, que enluta no momento mesmo das despedidas em Belém; a deusa ofendida pela insolência do monstro; as ninfas que recebem, acompanham e premeiam os nautas, no episódio mitológico e simbólico da Ilha dos Amores; a deusa que recorre ao filho, na preparação da ilha divina, ou a esquemas de sedução para «amansar» os amantes, no episódio naturalista da Tempestade.

Luís Vaz de Camões expressa, ao longo desta magnífica obra de referência, as diversas manifestações do Amor nas relações humanas, cada uma com as suas próprias características e implicações emocionais. Os conceitos em análise mostram a complexidade e a diversidade das formas de Amor na obra, dando-se, neste artigo, relevância apenas a alguns episódios.

 

STORGE (στοργή)

O Amor afetuoso no momento da despedida

No século XVI, as mulheres são submissas e dependentes do homem. Enquanto seres moralmente perfeitos, as mulheres, filhas, mães, esposas, tementes a Deus, renunciam à própria vida para servir o marido e a família. No episódio das despedidas em Belém, desamparadas, as mulheres questionam o abandono a que são votadas e desestabilizam a ordem durante o percurso entre a ermida de Santa Maria de Belém e os batéis que se encontram no areal.

Neste momento, o Amor surge intimamente ligado à morte através do medo da perda. A mulher questiona o marido que renuncia aos votos sacramentais do casamento em nome da «vã cobiça / Desta vaidade a quem chamamos Fama» (Canto IV, est.95) como vociferava «um velho, de aspeito venerando» na praia do Restelo.

A afeição precisa do senso comum e da reciprocidade para produzir felicidade. A esposa que lastima a partida do marido, a mãe que chora a separação do filho, prevendo perder o seu amparo, é um Amor-necessidade, que suscita a segurança e a parentalidade essenciais. Perante a vulnerabilidade do Amor afetuoso e a quebra dos laços parentais, resta o perpétuo sofrimento.

Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c’um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;

Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.

                                                          C. IV est.89

 

 

AGAPE (ἀγάπη)

O Amor espiritual que condena os «males» da Humanidade

No Canto IX, Vénus recorre ao seu filho para a ajudar nos preparativos da Ilha dos Amores, Cupido encontrava-se a reunir um exército de cupidos para realizar uma expedição com a finalidade de emendar os erros dos humanos, pois «estão, / Amando coisas que nos foram dadas, / Não pera ser amadas, mas usadas». Cupido é, então, encarregado de castigar os pecados do mundo, sendo apresentados, numa crítica social, vários exemplos de situações em que se ama mal: os homens que não sabem amar o que deve ser amado; os homens que só se amam a si próprios; os aduladores dos poderosos; os religiosos que amam o poder e as riquezas, esquecendo a caridade e integridade; os homens que fazem as leis a favor do rei e contra o povo.

Afirma-se, em síntese, que a expedição de Cupido tinha lugar porque «ninguém ama o que deve». Por estas razões, Cupido pretendia ajudar a «mal regida gente» a evoluir no campo do Amor à Humanidade, um Amor espiritual na busca do conhecimento e da imortalidade, porque “quem não ama permanece na morte” (1 João 3:15).

 

EROS (ἔρως)

O Amor fatídico e sacrificial

No Canto III, Camões explicita o responsável pela morte daquela que «despois de ser morta foi rainha», atribuindo tal responsabilidade ao Amor, caracterizado como cruel numa personificação comovente. Perante Afonso IV, Inês de Castro utiliza argumentos suplicantes em alternativa à morte. O tom lírico inicial dá, então, lugar a um coro funesto, anunciando a desgraça iminente. Como argumentos, refere outros casos semelhantes em que a clemência imperou (Rómulo e Remo salvos por animais); o facto de ser avô; o poder régio capaz de dar a morte e a vida. Como alternativas, a «linda Inês» sugere o desterro num lugar gélido ou abrasador, longe do seu amado, mas junto dos seus filhos; por fim, pede a expulsão para junto das feras.

O Amor assume, paralelamente, um tom suplicante, na procura da ilibação de uma culpa que Inês não tem, e um tom sacrificial, face à atrocidade de um crime em nome do povo e da autonomia da Nação. O cadáver da amante do Príncipe acabará coroado e Inês desculpabilizada e eternizada às custas do sofrimento, da expiação e da «morte crua».

O Amor destrutivo e punitivo de Tétis

Surge, no Canto V, o obstáculo representado por uma figura gigantesca, que amaldiçoa a expedição. Depois dos vaticínios de Adamastor, envolvendo perigos e catástrofes marítimas, o Gigante reage de forma improvável a uma simples questão de Vasco da Gama: «Quem és tu? Que esse estupendo / Corpo, certo me tem maravilhado». Perante a atitude de deslumbramento, a pergunta do comandante afeta profundamente o Adamastor, obrigado a identificar-se e a desvendar a sua história pessoal. Daí a inesperada mudança que se produz nele, abandonando o tom de voz ameaçador para passar a contar com mágoa a sua história de amor não correspondido.

O Gigante, que estava envolvido com os seus irmãos de armas numa luta contra Júpiter, abandonou tudo por paixão a Tétis, ao vê-la «sair nua na praia». Por ser feio, Adamastor quis conquistar a Ninfa pela força. A deusa, ofendida, preparou-lhe uma cilada e, cego de amor, julgando encontrar-se frente a Tétis, o Adamastor viu-se abraçado a um penedo. O seu atrevimento acaba duplamente castigado: eternamente agrilhoado a um rochedo e, forçosamente, rodeado por Tétis, Ninfa dos mares, «por mais dobradas mágoas, / Me anda Tétis cercando destas águas».

O momento de maior intensidade de sofrimento do Adamastor surge quando este se dirige à Ninfa, dizendo «Já que minha presença não te agrada, / Que te custava ter-me neste engano, / Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?». A gradação final - monte, nuvem, sonho, nada - traduz uma dor profunda, remetendo para a ideia do Amor-punição e do poder do feminino sobre o masculino quando se trata de um Amor não correspondido.

 

O Amor sedutor e o Amor incompatível com o medo

No Canto VI, o leitor assiste à violenta tempestade e Vénus responsabiliza Baco pelo pavor a que os nautas são expostos, não o deixando levar avante os seus intentos. Para tal, reúne as «Ninfas amorosas», que se embelezam com o intuito de dominarem os ventos. A ninfa Oritia dirige-se ao vento Bóreas e diz-lhe que não poderá voltar a amá-lo se este mantiver a ferocidade, pois o amor não é compatível com o medo. Galatéia utiliza os mesmos argumentos junto do vento Noto. Os ventos “amansam”, submissos às belas ninfas, e a tormenta acalma.

 

Não esperes de mi, daqui em diante,
Que possa mais amar-te, mas temer-te;
Que amor contigo em medo se converte.

                                                       Canto VI, est.89

Assim, o poder de sedução permite que o Amor vença e se propague e, nesse preciso momento, o mar acalma e os marinheiros avistam a Índia. À tempestade sucede a bonança e o Amor permite à gente guerreira cumprir a missão e alcançar a imortalidade.

 

O Amor recompensa

No Canto IX, Vénus decide preparar aos marinheiros uma recompensa pelos «trabalhos sofridos», uma ilha divina, onde se encontram «aquáticas donzelas» escolhidas entre as mais belas e as mais devotas do Amor. Estas ninfas terão como missão aguardar pelos marinheiros e recebê-los com cânticos e danças, para lhes despertarem «secretas afeições».

Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperem as Ninfas amorosas,
De amor feridas, para lhes entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.

                                                Canto IX, est. 82

A atmosfera erótica inicia-se com uma «caça» às ninfas na frondosa floresta onde, finalmente, os homens se unem a seres idílicos num momento de prazer libertador que compensava todos os trabalhos antes sofridos.

 

O Amor suplicante, persistente e eloquente

Ainda na Ilha dos Amores, todas as ninfas se entregam aos respetivos marinheiros. Apenas Éfire continua a fugir do seu amante. O pobre soldado que sempre fora “maltratado” pelo amor, suplica a Éfire que pare de fugir dele. Enquanto a persegue, Leonardo procura convencê-la a parar, usando diferentes argumentos. Já perdido de amores e quase desistindo, continua a persegui-la apenas porque tem esperança de que ela mude o seu triste fado, apaixonando-se por ele.

Na verdade, a ninfa não corria para fugir de Leonardo, mas apenas para ouvir as suas belas palavras, a sua eloquência. Por fim, para e entrega-se ao marinheiro. O narrador descreve, então, o enlace amoroso e termina, afirmando, relativamente ao Amor, «Milhor é experimentá-lo que julgá-lo; / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo» (C. IX, est.83).

Neste Amor persistente e eloquente, o pregador demonstra o seu sofrimento, enfrentando a vassalagem amorosa. Éfire é dona do coração de Leonardo, dispõe do seu canto até se cansar. Este Amor cortês implica poder de argumentação num jogo de sedução que o inexperiente Leonardo desconhecia.

Por fim, todos os marinheiros são, simbolicamente, galardoados como heróis, recebendo das mãos das ninfas coroas «De louro, e de ouro, e flores abundantes.», consumando-se o casamento entre ninfas e humanos, na fusão do plano divino com o terreno.

 

A análise das várias dimensões do Amor na obra épica de Camões revela uma complexidade multifacetada. O Poeta cruza elementos da doutrina clássica, do Amor cortês e do culto cristão, criando uma visão do Amor que suplanta o meramente físico para alcançar um plano espiritual e idealizado. Este Amor, inspirado pela tradição platónica, eleva o ser humano ao divino e ao eterno. Contudo, o Amor em Os Lusíadas é, simultaneamente, força sublime e torturante. Esta dualidade do Amor camoniano reflete a natureza humana em toda a sua diversidade.

Não obstante, o Amor representa, no seu todo, a vitória sobre o desconcerto do mundo ao oferecer aos nautas um espaço de harmonia, beleza e satisfação, a maior recompensa pelos esforços e sacrifícios. É precisamente esta abordagem que enriquece a narrativa épica e oferece uma profunda reflexão sobre a condição humana e a sua relação com o(s) Amor(es), tornando Os Lusíadas uma obra perene e universal.

 

in Reflexão final para a A. F. Amor, amores ou biologia? Introdução à Filosofia do Amor

bottom of page